quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O Anticristo vive em todos nós?


Depois de visualizar Antichrist, de Lars Von Trier, qualquer esforço da minha parte no sentido de analisar e partilhar a minha interpretação do mesmo seria fútil. Este é um filme que deve ser apreciado e lido por cada espectador à sua maneira. E desde já fique claro que não é um filme onde haja meio termo. Ou se gosta, ou se odeia.

Sou um fã confesso de Lars. É um dos meus realizadores de culto. Como tal, as minhas expectativas para este filme eram altas. E foram superadas. Antichrist rasa a obra-prima, a meu ver, por ser quase teatral, quase lírico. O filme é na sua essência bastante misógino e intrínsecamente ligado ao Catolicismo. Carregado de simbolismo, patente em pormenores deliciosos e cuidadosamente estudados e planeados. Trata da natureza humana na sua essência, e fazendo a ligação com as passagens do Génesis bíblico abre portas a uma profunda e muito dura interpretação dos eventos. A forma como a temática da mulher, seja ela Eva/Maria, do pecado e da tentação, do Homem/Deus, do arrependimento e do sacrifício, da sexualidade e dos males do Homem são tratados são de um requinte muito selecto e muito raro nos dias de hoje. Arriscaria até dizer que pode ser visto como uma alegoria do mito do Génesis, na qual Lars Von Trier expõe os terrores da crença Cristã acerca das origens do pecado.

O filme divide-se num prólogo, capítulos e epílogo. Todos eles subjacentes a uma ideia bem definida que fará sentido com o visualizar do filme. E o prólogo é incrivelmente genial, rodado em preto e branco e em slow motion, ao som de uma ária clássica. Cinco minutos de puro deleite e admiração. Posso dizê-lo sem pudor, uma das melhores "entradas" que vi até hoje.

As personagens principais não aparecem nomeadas, o que faz todo o sentido dado o simbolismo impregnado quer nestas quer nos seus gestos. A leitura subjacente a cada cena deste filme é muito particular e muito rica. Mas isso fica ao critério de cada um.

Também uma nota para referir que tudo neste filme é tratado com uma falta de vergonha muito saudável. Tudo muito crú, sendo que algumas cenas são de facto pesadas, mas pessoalmente não faz qualquer sentido rotular este filme como gore, como foi feito por muita gente. Há de facto partes intensas, sobretudo perto do final, mas o somatório de todas não pode valer pelo filme.

Acho que Antichrist é do melhor que vi nos últimos tempos e deixou-me mesmo muito agradado. É um filme que acho que é bastante livre de ser interpretado por cada um à sua maneira, com a leitura que quisermos fazer dos eventos. Eu tenho a minha, sustentada naquilo que li no filme e aonde este me transportou. Acho-o uma análise dura e muito real da natureza humana, que vai ao âmago da mesma, visitando e descodificando todo o episódio do Génesis, como interpretado (lá está) por Lars Von Trier. Se é uma visão do realizador peranto uma fé Cristã marcada por lamentáveis e olvidáveis episódios passados, ou até uma viagem ao universo tão misterioso da psique humana... quem sabe? Que cada um veja com os seus olhos e sinta com as suas emoções. Certo é que este filme merece ficar registado e tornar-se um objecto de muita estima e culto pelo fabuloso pedaço de arte que é. Desde a fotografia ao cuidado com todo e qualquer pormenor até às interpretações fabulosas de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe. Ambos em alta e merecedores de prémio pelo registo.

Apreciado em deleite por um total de 10 taralhões.

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