segunda-feira, 17 de março de 2008

A besta cega!




Do fundo do baú do cinema asiático esta pérola chegou enfim até mim! Blind Beast data de 1969 e foi realizado por Yasuzo Masumura. Ora este senhor, já falecido (hemorragia cerebral), devia ser muito sinceramente, louco. E esta loucura é precisamente aquilo que torna apaixonante as obras destes autores, roçando (porque não) a genialidade. Apenas como mote introdutório, gostaria de vos deixar a seguinte citação do dito cavalheiro:


"My goal is to create an exaggerated depiction featuring only the ideas and passions of living human beings. In Japanese society, which is essentially regimented, freedom and the individual do not exist. The theme of Japanese film is the emotions of the Japanese people, who have no choice but to live according to the norms of that society..."


Agora que interiorizaram estas palavras poderão decerto apreciar com outros olhos o que vos descrevo. O filme envolve três personagens centrais, em torno das quais se vai desenvolver toda a acção. Da mesma forma, 90% do filme é passado apenas num cenário, o armazém transformado em estúdio do personagem masculino. Simples e eficaz! Mas falemos do cerne desta história distorcida e perversa.
Aki é uma modelo lindíssima Japonesa de algum sucesso. Michio é um escultor cego, nascido assim, privado da beleza do mundo que o rodeia. Solitário, vive com a sua mãe. É obcecado pelo corpo feminino e pelas suas formas e quando descobre o trabalho de Aki (através de uma escultura sua em tamanho real) esta torna-se o objecto predilecto da sua obsessão. Com a ajuda da mãe rapta a jovem modelo e aprisiona-a no seu estúdio, o epicentro da sua loucura. Consistindo de um velho armazém convertido em espaço de trabalho, este estúdio é, todo ele, um enorme e surreal tributo aos sentidos, estando o seu interior preenchido por moldes de partes do corpo de mulheres! Espectacular hein!? Já estão a gostar?


A partir daqui as coisas começam a tornar-se ainda mais interessantes. Inicialmente céptica e renitente, Aki vai gradualmente alterando o seu estado de espírito. Talvez aceitando o terrível desfecho que a aguarda ou simplesmente cedendo à obsessão de Michio, deixando-o arrastá-la consigo neste turbilhão de emoções e perversidade.



Aki desenvolve assim uma relação doentia com o seu fã demente e deixa de ser prisioneira para se entregar nos seus braços. No meio disto, contribui para o deteriorar da relação de Michio com a sua mãe, que sucumbindo à inveja, não suporta a presença da modelo na sua casa.



Com o desenvolver do filme o nível de loucura e intensidade vão aumentando e cada um terá a sua forma de ver (aceitando ou não) o desenrolar dos acontecimentos. Do trágico da ligação entre estes dois indivíduos parece nascer uma paixão compulsiva e a descoberta de novos prazeres. Os sentidos são tão valorizados e apreciados, que o seu objectivo torna-se a procura pela derradeira satisfação, o derradeiro clímax, numa orgia de sabores, cheiros, toques. Os amantes entregam-se um ao outro através da sua paixão masoquista e aquilo que partilham ali, naquela enorme construção de homenagem ao corpo humano, retratado através do seu mais belo espécimen (a mulher) torna-se o único propósito da sua existência e a sua única alegria.


Blind Beast é, no fundo, uma interessante meditação sobre a arte, o prazer e a vida. E também um estudo do ser humano, devolvido ao seu estado mais primitivo e selvagem, solto de amarras que o impeçam de mostrar a sua verdadeira natureza, as suas verdadeiras obsessões. Por fim, é também um retrato da lúxuria, do desejo, do pecado.

Não hajam dúvidas! Este filme é intemporal e esteticamente delicioso. E tendo em conta a época em que foi filmado é inquestionável que se trata de uma obra fantástica e muito à frente do seu tempo. Para lá da história, só por si fora dos eixos normalizados, é também provocador com as suas cenas de nudez parcial, intimidade explícita e cenários surreais. Recomendado por 9 em 10 taralhões!


2 comentários:

Valtiel disse...

Pass it along, mah boi!

Joana (Lady Matrona) disse...

Só o facto do gajo parecer o José Cid já me assusta! *shiver*